Lei de ação e reação, lei do retorno, carma: por que sofremos, segundo o Espiritismo?

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Talvez você que esteja lendo, como eu, já tenha feito aquela pergunta: “Deus, por que comigo?”

Esse questionamento, bastante natural quando ainda não temos plena compreensão dos ensinamentos dos Espíritos superiores através do Espiritismo, ainda encontra muitas explicações inexatas ou mesmo erradas, justamente por essa falta de compreensão, que nasce pela falta de estudo.

Vamos apresentar algumas dessas opiniões incongruentes com o Espiritismo:

  • Porque Deus quer
  • Porque estou pagando por um mal passado
  • Porque estou sendo castigado por um erro de outras vidas
  • Porque é o acaso
  • É karma (ou carma)
  • É a Lei de Ação e Reação (o que reflete um mal passado)
  • É “resgate” de outras vidas

Todas as explicações, exceto a que diz ser obra do acaso, refletem, no fundo, uma mesma opinião: se estou sofrendo é porque Deus está me submetendo a um castigo, já que eu errei. Uma opinião ainda vai além: Deus não gosta de mim.

Nós precisamos nos descolar um pouco mais dessas velhas concepções, de uma época em que a mentalidade humana não estava pronta para avançar alguns passos à frente e entender um Deus que é todo bondade e amor. No passado, acreditávamos que Deus era um ser cruel, vingativo, cheio de ira e de cólera, porque Lhe atribuíamos nossas imperfeições, por não conseguirmos entender um ser que não as tivesse. Hoje, contudo, não é mais dessa forma.

Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, apresenta uma face de Deus, obtida dos ensinamentos dos Espíritos superiores, nunca antes conhecida na face da Terra – pelo menos não como doutrina:

1. Que é Deus?

“Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas” *

2. Que se deve entender por infinito?

“O que não tem começo nem fim; o desconhecido; tudo que é desconhecido é infinito.”

3. Poder-se-ia dizer que Deus é o infinito?

“Definição incompleta. Pobreza da linguagem dos homens, insuficiente para definir o que está acima de sua inteligência.”

[…]

13. Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom, temos ideia completa de seus atributos?

“Do vosso ponto de vista, sim, porque credes abranger tudo. Sabei, porém, que há coisas que estão acima da inteligência do homem mais inteligente, as quais a vossa linguagem, restrita às vossas ideias e sensações, não tem meios de exprimir. A razão, com efeito, vos diz que Deus deve possuir em grau supremo essas perfeições, porquanto, se uma lhe faltasse, ou não fosse infinita, já ele não seria superior a tudo, não seria, por conseguinte, Deus. Para estar acima de todas as coisas, Deus tem que se achar isento de qualquer vicissitude e de qualquer das imperfeições que a imaginação possa conceber.”

Sendo que nossa concepção de Deus evoluiu muito, como então podemos atribuir a ele a execução de castigos ou de cobranças, posto que Ele sabe que as imperfeições que temos são apenas momentâneas e que desaparecerão com a nossa evolução?

Mas, podemos objetar, fatos são fatos: se não há acaso, mas sofro, deve então haver uma razão para tais sofrimentos. Se não fui eu quem causou o sofrimento, então alguém está me submetendo a eles, portanto, só pode ser Deus.

Precisamos, porém, analisar essa cadeia de pensamentos de forma racional, que é o convite sempre feito por Kardec frente a quaisquer questões:

Em primeiro lugar, precisamos compreender que somos Espíritos encarnados e enquanto estivermos ligados ao corpo, sobretudo em estado tão denso, estaremos sujeitos às vicissitudes da matéria, incluindo as dores e os sofrimentos naturalmente causados por algo como, por exemplo, frio e calor.

Em segundo lugar, precisamos aprender a analisar e distinguir os gêneros de sofrimentos causados por nós mesmos, na presente encarnação, pelas nossas formas de agir e de pensar. Nesse sentido, Kardec nos chama à reflexão:

Remontando-se à origem dos males terrestres, reconhecer-se-á que muitos são consequência natural do caráter e do proceder dos que os suportam.

Quantos homens caem por sua própria culpa! Quantos são vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição!

Quantos se arruínam por falta de ordem, de perseverança, pelo mau proceder, ou por não terem sabido limitar seus desejos!

Quantas uniões desgraçadas, porque resultaram de um cálculo de interesse ou de vaidade e nas quais o coração não tomou parte alguma!

Quantas dissensões e funestas disputas se teriam evitado com um pouco de moderação e menos suscetibilidade!

Quantas doenças e enfermidades decorrem da intemperança e dos excessos de todo gênero!

Quantos pais são infelizes com seus filhos, porque não lhes combateram desde o princípio as más tendências! Por fraqueza, ou indiferença, deixaram que neles se desenvolvessem os gérmens do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade, que produzem a secura do coração; depois, mais tarde, quando colhem o que semearam, admiram-se e se afligem da falta de deferência com que são tratados e da ingratidão deles.

Interroguem friamente suas consciências todos os que são feridos no coração pelas vicissitudes e decepções da vida; remontem passo a passo à origem dos males que os torturam e verifiquem se, as mais das vezes, não poderão dizer: Se eu houvesse feito, ou deixado de fazer tal coisa, não estaria em semelhante condição.

Allan Kardec – O Evangelho Segundo o Espiritismo – cap. V

Fica muito evidente que muitos sofrimentos há que nascem por conta de nossas ações, mesmo que em pensamento, e sobre os quais não podemos acusar senão a nós mesmos.

Mas, e a respeito dos sofrimentos que não causamos nesta vida? De onde vem eles então? Se não vem de hoje, muitos dirão, são reflexos de outras vidas. Estou apenas pagando por erros passados. Mas, refletiremos, se Deus não cobra nem nos castiga, quem é que está me cobrando por supostos débitos? Minhas vítimas do passado, alguns dirão. Supomos mesmo que, muitas vezes, vítimas nossas nos perseguem por mais de uma encarnação, buscando vingança. Mas seria isso uma regra? Não há os inúmeros casos dos Espíritos que perdoam seus algozes e seguem suas vidas? Quem, então, quem estaria nos cobrando e punindo? Onde estaria o tribunal?

Há, neste ponto, um ensinamento muitíssimo importante dado pelos Espíritos superiores, citado em O Livro dos Espíritos:

621. Onde está escrita a lei de Deus?

“Na consciência.”

Essa resposta é tão sucinta, mas tão completa, que nos espanta. Ora, já entendemos que o Espírito só passa a ter livre-arbítrio quando entra no reino da consciência. Antes disso, suas ações são maquinais, respondendo apenas aos instintos. Quando, consciente, porém, passa a ter a livre escolha sobre os seus atos e, por assim dizer, entre bem e mau.

Estou tomando uma linha de exposição bastante construtiva a fim de bem elaborar o pensamento: entendemos, então, que, a partir do momento em que desenvolvemos a consciência, a Lei de Deus passa a vigorar em nossa própria mente. Assim, enfim, chegamos à resposta crucial: quem nos persegue somos nós mesmos.

Quando fazemos de uma imperfeição, um hábito, passamos a cometer erros que, então, passam a nos fazer infelizes a partir do momento em que nos conscientizamos sobre eles. Quando no estado de erraticidade, então, avaliamos nossos atos e suas consequências, sobre nós e sobre os outros, e passamos a planejar novas encarnações com provas que visamos nos ajudem a aprender e a vencer essas imperfeições. Muitas vezes, contudo, perseguidos por uma grande culpa e ainda pouco desenvolvidos no entendimento, chegamos ao ponto de planejar grandes e dolorosas expiações, como a criança que, não sabendo lidar com a culpa por algum mal cometido, pede ao pai que a castigue.

Vemos, portanto, que as dificuldades e dores de nossas vidas, quando não oriundas de nossas ações presentes, são ricas oportunidades de aprendizado e reajuste. Outras vezes, tragédias e dores terríveis são planejadas pelo próprio Espírito para buscar aliviar sua consciência sobre algo passado. Contudo, fica uma lição muito importante: conforme entendemos mais profundamente a mecânica da evolução espiritual, faremos melhores planejamentos para nossas encarnações.

Ainda somos Espíritos muito ligados a essas concepções de pecado e castigo, chegando ao ponto de elaborar planejamentos reencarnatórios ligados à “Lei de Talião” — olho por olho, dente por dente. Mas, conforme compreendemos que o que realmente importa é identificar nossas imperfeições transformadas em maus hábitos e corrigi-las, entendendo que o castigo ensina pouco ou quase nada, buscaremos formas melhores de planejar novas oportunidades, nos desligando progressivamente da necessidade das expiações muito brutas para, então, buscar oportunidades mais ligadas a uma educação espiritual basilar, desde os primeiros passos da infância material, com vistas a fortalecer virtudes e a abafar imperfeições.

Afinal, queremos dizer: as dificuldades desta vida, por pior que pareçam, se não são efeito negativo de nossas ações presentes ou da própria Natureza, são oportunidades planejadas por nós mesmos para nossa elevação. Nos esforcemos, portanto, para encarar de forma diferente essas provações, buscando aprender com elas, nos apoiando sempre na prece e nos estudos do Espiritismo, que muito podem fazer por ajudar a mudar nossas concepções ainda nesta vida.

Para complementar esta leitura, sugerimos a leitura do artigo sobre Punição e Recompensa, publicado recentemente.


Sugestões de leitura:

  1. O caso de Antonio B, em O Céu e o Inferno
  2. Nossas reflexões sobre o artigo A Fatalidade e os Pressentimentos, apresentado na edição de Março da Revista Espírita de 1858
  3. O Assassino Lemaire, na Revista Espírita de Março de 1858
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